Sala 1


Descobri finalmente o meu terraço

ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

No convite que enderecei aos artistas escrevi: as obras consideradas nesta escolha fazem parte da exposição Sem Limites. Não se exige, por conseguinte nenhum esforço adicional aos artistas nesta dupla exposição das suas obras, salvo o de pensar e responder a três perguntas:

1) enquanto artista, que significado tem a palavra arte para ti?

2) no rio de sensações onde toda a mercadoria, incluindo a mercadoria-informação, é embrulhada com formas que apelam aos sentidos —formas sedutoras, sensuais e inteligentes—, ainda é possível destacar uma obra de arte genuína?

3) o Instagram e as redes sociais em geral colocaram a imagem, a representação e o espelho no top do imaginário global. Forneceram a todos uma espécie de formação rápida de criatividade e arte, fazendo de cada um de nós artistas automáticos. Neste museu virtual vivo qual é, uma vez mais, o lugar da arte?

As perguntas e as respostas constituem parte indissociável desta deambulação.

Sem Limites é antes de mais uma manifestação de artistas em tempo de afastamento social. A arte continua presente, dissemos. Ao todo, corrigidas as omissões involuntárias, apuraram-se 118 participantes, ordenados de A a Z, cujas 305 obras se encontram em exposição. Podemos organizar um sem número de exposições distintas a partir do acervo reunido, desde que o número de artistas seja menor que 118. Por exemplo, podemos imaginar 118 exposições diferentes com 117 artistas, e a partir daqui o número de combinações cresce exponencialmente. Quantos mais percursos forem realizados, mais e mais amplas vistas teremos do conjunto. Aconselha, porém, a experiência, que exploremos esta grande exposição em doses homeopáticas de espaço e tempo. Pois só assim fruiremos plenamente a sua diversidade e riqueza.

A minha deambulação ficou-se por 17 artistas, ordenados segundo um cálculo simultaneamente analítico e subjetivo, a quem fiz três perguntas...

Vítor Pomar [ver e ler]
Elisa Ochôa [ver...]
Rui Martins [ver e ler]
Isaque Andrade [ver e ler]
Regina Frank [ver e ler]
Manuel Casimiro [ver e ler]
Rodrigo Bettencourt da Câmara [ver e ler]
António Salvador Carvalho [ver e ler]
João Brehm [ver e ler]
Katie Lagast [ver e ler]
Inês Teles [ver e ler]
Mariana Dias Coutinho [ver...]
João Bettencourt Bacelar [ver e ler]
Margarida Sardinha [ver e ler]
Daniel Moreira e Rita Castro Neves [ver e ler]
Inês Amado [ver e ler]
Jorge Castanho [ver e ler]

A laia de justificação...


Clausura imposta por um vírus inesperado. Rever autores conhecidos. Descobrir obras de artistas que não conhecia. No meu estúdio digital... Não foi assim tão diferente. Pouco agitou, na realidade, a minha rotina frente à janela eletrónica que há vinte e cinco anos me liga ao mundo. Pergunto-me se este regime, que não é novo, mas muitos sentiram agora diretamente na pele, não prolonga a sentença de Hegel sobre o fim da arte, desta vez sob o regime de uma ultrapassagem tecnológica da arte, capaz de a recombinar no plano das formas e da geometria variável da sua nova temporalidade, a que chamo pós-contemporânea. Há casos em que a distância entre a obra de arte e a sua digitalização mostrada num ecrã falsifica irremediavelmente o original. Por exemplo, as grandes pinturas de Vítor Pomar, ou uma peça como “Broken wave”, de Elisa Ochôa. A liberdade material, a espessura e a fricção, ou viscosidade que lhes deram origem não cabem numa prisão fotográfica. No polo oposto, direi que as obras digitais de Rui Martins e Isaque Andrade, ou a performance social de Regina Frank não sobrevivem fora do aquário eletrónico-social onde nasceram e nadam. Outras, porém, parecem conviver simultaneamente bem com a realidade analógica e a realidade digital: as manipulações com postais de Manuel Casimiro, as fotografias de interiores de Rodrigo Bettencourt da Câmara, os desenhos de António Salvador Carvalho e a sua génese análogo-digital, ou ainda a pintura estelar de João Brehm. Há também obras que nasceram para serem documentadas: “Sem título (parte da instalação ‘Road Works)”, de Katie Lagast, “Blinds”, de Inês Teles, ou “happy balance”, de Mariana Dias Coutinho. E outras que, pela sua génese estritamente digital, acabam por conviver melhor com ecrãs ou outras superfícies de projeção luminosa, como são os casos da fotografia de João Bettencourt Bacelar e a arte generativa de Margarida Sardinha. Não é que as suas obras percam necessariamente vitalidade ao migrarem do computador para a dita realidade, mas este exercício de transmutação ontológica, para não empobrecer o original, exige enorme perícia na definição, preparação e ajustes das superfícies escolhidas para acolherem este artifício de reencarnação. As fotografias de Daniel Moreira e Rita Castro, pelo contrário, continuam a pedir papel e parede, e um passeante enamorado de narrativas. Por fim, a documentação fotográfica de “Performative quarantine, Coluna, palavras apreendidas”, de Inês Amado, leva-me para o que Alfred Gell chamaria “índice” de uma obra de arte por explorar (there is no smoke without fire), enquanto a inesperada e tocante escrita de Jorge Castanho restaura a nossa capacidade de imaginar a natureza e a vida para lá das bebedeiras de sensações.

Podemos escrever ou falar pouco ou muito sobre uma obra de arte. Depende do que temos para dizer e do tempo que nos concedem para “perlaborar”. 

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