Manuel Casimiro

Manuel Casimiro
Covóides-20, 2020, papel, postal, acrílico, tinta da China, 30 x 42,50 cm
Preço: €3000

Já em 1776, como vemos neste auto-retrato, o colega de ofício Maurice Quentin La Tour perguntava surpreendido, o que seria aquele “Covóide-20” vermelho?


Manuel Casimiro
Covóides-20, 2020, papel, postal, acrílico, tinta da China, 30 x 42,50 cm
Preço: €3000

Este cão da pintura do “Jacobe a receber a Túnica de José”de autoria do extraordinário pintor Diego Velazquez, que todos conhecemos, foi de facto surpreendido por este "Covóide-20”, e não faz outra coisa do que ladrar. Espero que o cão não esteja a incomodar?


Manuel Casimiro
Covóides-20, 2020, papel, postal, acrílico, tinta da China, 30 x 42,50 cm
Preço: €3000

Fernando Pessoa visivelmente surpreendido pelo “Covóide-20”, pensou: “A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objectivada duma impressão subjectiva".

A série “Covóides-20”, que como o vírus também contaminam, propagam-se, mas não matam, só fazem bem.


NOTA BIOGRÁFICA

Manuel Casimiro (Porto, 21 de novembro de 1941) é um pintor, escultor, fotógrafo, designer, cineasta português, que reside e trabalha no Porto.

Em 1976 recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para desenvolver um projecto de investigação na área das artes visuais, partindo então para França por dois anos. Viaja pela Europa e EUA, tendo residido em Nova Iorque entre 1978 e 1979. Fixa-se em Nice, cidade onde permanecerá durante mais de dezoito anos. É durante esse exílio voluntário que trava conhecimento e se relaciona com intelectuais como Eduardo Lourenço, Michel Butor, Vincent Descombes, Jean-François Lyotard, Raphael Monticelli, Pierre Restany assim como com Peggy Guggenheim.

Expõe pela primeira vez em 1968, na Galeria 111, de Manuel de Brito. Faz mais de quarenta exposições individuais. Em colectivo está presente em mais de oitenta, em Portugal, Espanha, França, Suíça, Bélgica, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil e Japão.

A sua obra, para além de figurar em colecções privadas em diversos países, marca também presença no espólio de diversos museus, entre os quais o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), o Museu Colecção Berardo (Lisboa), a Fundação de Serralves (Porto), o Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), Museu Estremenho e Ibero-americano de Arte Contemporânea (Badajoz), o Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Nice, o Museu Municipal João de Castilho - Núcleo de Arte Contemporânea (Tomar).

Em 2008 concebe, organiza e edita a obra "100 Anos. 100 Livros" que reúne um conjunto de textos da autoria do realizador Manoel de Oliveira, seu pai, escritos entre 1991 e 2008.


TRÊS PERGUNTAS A MANUEL CASIMIRO

ANTÓNIO CERVEIRA PINTO — Enquanto artista, que significado tem a palavra arte para ti ?

MANUEL CASIMIRO — Naturalmente é muito difícil de definir arte, já que reúne entendimentos vários ao longo dos diferentes tempos, e as definições tendem a serem incompletas, redutoras. 
Todos sabemos que “Arte” é uma palavra que veio do latim “Ars”, que se referia a habilidade, a técnica. Habilidade que aqui neste contexto significa competência, não no sentido de ser instruído, mais no de saber fazer, no de ser capaz.
Na Antiguidade, encontramos na arte uma procura de um entendimento do que há de mais profundo no ser humano, que nada tem a ver com tecnologia. 
Sabemos que os gregos, Platão e Aristóteles fundiram a lógica e a ética com a estética, ideias que vieram mais tarde a provocar grandes discussões.
Nesse tempo, em relação à arte, Platão já considerava haver dificuldade de se fazerem juízos estéticos. Aristóteles foi discípulo de Platão, mas nos seus pensamentos e ideias distanciou-se dele. Aristóteles associou o belo à realidade sensível, humana, libertando-a da ideia de perfeição, considerando assim a possibilidade destas suas reflexões e conceitos sobre estética e o belo serem mutáveis no tempo, como se veio a verificar. Alguma coisa destes conceitos permaneceu, sofrendo várias alterações ao longo dos tempos, ainda hoje se recorre à palavra estética, já não com o sentido da ideia primitiva do grego antigo para qualificar o belo, mas por vezes para designar belo, o que outrora seria feio, ou até para caracterizar a ausência da própria estética. 
Sobre estes assuntos muita coisa se disse e se escreveu ao longo dos séculos, e se continua a dizer e a escrever no presente em que vivemos.
No período mais recente da arte, a que chamamos “contemporânea”, creio que passamos por um tempo de deriva, donde no meu entender se salvam alguns artistas, poucas excepções.  O tempo dirá de sua justiça.
Nem sempre verificamos que a arte contemporânea dá atenção à sensibilidade, à inteligência, à razão, intelectualidade, não se interessa por nada disto, talvez por pretender e pensar que assim se livra de qualquer eventual academismo. No entanto, verificamos que muitos artistas macaqueiam, seguem um gosto global.
Com raras excepções, creio que de um modo geral, a arte contemporânea, os artistas aspiram apenas a aceder a uma visibilidade, num tempo onde se confunde visibilidade com a importância que de facto uma obra de arte possa ter. 
No meu entender, a arte contemporânea encontra-se num estado gasoso, vemos um intenso nevoeiro, que rapidamente passa e nada deixa. 
Na minha opinião, a arte contemporânea revela e espelha a profunda crise em que se encontra o homem de hoje, sem identidade própria, confundido, perdido no meio dos imensos conhecimentos científicos, técnicos e de ordem prática.

ACP — No rio de sensações onde toda a mercadoria, incluindo mercadoria informação, é embrulhada com formas que apelam aos sentidos --- formas sedutoras, sensuais e inteligentes ---, ainda é possível destacar uma obra de arte genuína ? 

MC — Grande parte da informação passa hoje pelo virtual. Mas é uma ilusão pensar que o virtual poderá substituir o real. O homem não pode viver sem recorrer a alimentos reais. 
O virtual é algo que veio revolucionar completamente as nossas vidas, e ajudar imenso o ser humano, é um meio potencial a que felizmente todos podemos recorrer para nos ajudar em diferentes situações. 
 No ponto de vista das sensações que sentimos, e das ideias que a mente nos pode suscitar diante duma certa obra material, creio que a visão virtual dessa mesma obra, não é tão enriquecedora. 
Dou o exemplo do que me aconteceu há muitos anos, diante das “Demoiselles d’Avignon” do Picasso, pintura que conhecia já desde a minha juventude, de leituras de vários livros onde a vi reproduzida. Vi pela primeira vez esta obra em Nova Iorque em 1977 ou 78, e posso dizer que o que senti diante da obra real foi muito diferente do que vivi diante de reproduções, e isto não só ao nível das sensações. De facto, esta pintura também me levou a entendimentos próprios, diferentes dos que já conhecia vindos de outros, e motivou desde logo neste mesmo ano a feitura de vários trabalhos, intervenções em imagens desta obra, que se viriam a alargar aos muitos desenhos preparatórios de Picasso, que testemunham as suas hesitações na escolha dos personagens, na organização do espaço da “mise en scène”, da representação. Mais tarde, todas estas obras de Picasso vieram a originar desenhos e pinturas casimirianas, que foram mostrados pela primeira vez em Serralves em 1996, quando da minha retrospectiva organizada por Jean-Hubert Martin. Algum tempo depois, estas obras viajaram para  Espanha. As “Demoiselles” do Picasso é uma obra que como é sabido revolucionou os entendimentos tidos até ali, na provocação que faz ao espectador de participar no seu jogo trágico, que não é mais que um reflexo da existência humana em todas as suas contradições, as suas máscaras. Sendo esta obra muito diferente nos seus propósitos da das “Meninas” de Velázquez, não deixa de me recordar que também ela convida o espectador a participar na cena, espectador que do lado exterior à pintura é empurrado para dentro dela, dando assim vida aos sortilégios da ilusão teatral numa transfiguração permanente. 

ACP — O Instagram e as redes sociais em geral colocaram a imagem, a representação e o espelho no top do imaginário global. Forneceram a todos uma espécie de formação rápida de criatividade e arte, fazendo de cada um de nós artistas automáticos. Neste museu virtual vivo qual é, uma vez mais o lugar da arte. 

MC — Hoje, a arte recorre aos meios que facilitem a sua visibilidade, não só das obras, também dos artistas. Mas isto também pode ser um formato distorcido da realidade, quando a informação é superficial e corresponde apenas a uma aparência duma realidade que de facto não pode ser facilmente reconhecida. Confunde-se muito a visibilidade com a importância de uma determinada obra. 
Na penúltima conversa que o SOS-Arte PT organizou a propósito da relação do dinheiro com a arte, na apresentação dos participantes e do assunto da conversa, recordei o grande escritor, prémio Nobel de literatura, Albert Camus, com uma frase a propósito de arte que aqui reproduzo na língua original e numa tradução livre:
 
“Le but de l’art, le but d’une vie ne peut être que d’accroitre la somme de liberté et responsabilité qui est dans chaque homme et dans le monde.”

Ou seja:
 
“A Finalidade da arte, a finalidade duma vida não pode ser senão a de aumentar a soma da nossa liberdade e da responsabilidade que está em cada homem e no mundo”.



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