Introdução


Sem Limites

Sem Limites foi o nome encontrado por cinco curadores para dar expressão à primeira iniciativa expositiva promovida pelo movimento SOS ARTE PT.

Aderiram 118 artistas, todos eles fundadores ou aderentes ao SOS ARTE PT.

A eventual venda das obras, realizadas na sua maioria durante a chamada fase de 'confinamento' e 'distanciamento social', revertem integralmente para os respetivos autores.

A exposição online é uma resposta aos constrangimentos atuais. No entanto, assim que for possível, gostaríamos que as mais de 300 obras reunidas, na tua totalidade, ou em parte, fossem mostradas em espaços físicos, nomeadamente museus, centros de arte e salas de exposições, públicas e privadas.

Sem Limites é uma mostra de A a Z, sem restrições de idade, género, disciplina ou tendência. Sucessivamente, e até agosto, sobre este grande conjunto de autores e obras incidirão cinco olhares individuais, sob a forma de cinco pequenas exposições assinadas por cada um dos cinco curadores que, em conjunto, organizaram Sem Limites.

António Cerveira Pinto
Fátima Lambert
Margarida Sardinha
Nuno Sacramento
Regina Frank

Vivo, semi-vivo e digital

ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

O mundo virtual superou pela primeira vez, no que à vida humana diz respeito, o mundo real. Esta é a grande mutação cultural provocada pelo vírus que veio de Wuhan.

Os recursos naturais e transformados deixaram de poder alimentar o nosso crescimento demográfico exponencial, iniciado há pouco mais de 300 anos.

Em breve, quer dizer, nos próximos 80 anos (menos do que a esperança média de vida em muitas regiões do mundo) a população mundial começará a encolher, provavelmente a ritmo acelerado.

Para que esta inversão da tendência demográfica mundial não seja apenas uma catástrofe sem precedentes, sobretudo na sua dimensão, o ser humano terá que tomar duas decisões radicais. Por um lado, desmaterializar boa parte da sua vida; por outro, aumentar a sua dieta vegetariana, diminuindo drasticamente o consumo de animais criados em campos de concentração agro-industrial e carregados de antibióticos e toxinas.

Nesta metamorfose inadiável, a arte terá por missão ensinar-nos a ver o mundo com outras ideias e outra sensibilidade. A arte, felizmente, ainda não é uma marca registada dos donos do mundo.

Wishing for the best – imagens [não] sozinhas

FÁTIMA LAMBERT

Perante o número considerável de imagens com que nos deparamos no quotidiano (ultrapassada a abordagem pós-moderna da questão) - imagens da publicidade e marketing,  imagens das obras de arte, reconverteram-se os termos pessoais de [pseudo] apropriação do “mundo”, expandido mediante o processo de seleção e prevalência pessoal do banco de imagens singular. Temos um atlas mnemosyne sem sermos Aby Warburg. Na era COVID19 as  imagens dos "amigos" nas redes sociais, e sobretudo as imagens dos nossos amigos amados e familiares, ressuscitaram o dinamismo da vida singular.

A recusa psico-sociológica, que predominava nas mentes mais críticas, foi digerida, em prol de uma convicção, ainda ironista  e autofágica, mas afetivamente resiliente e necessária à sanidade mental. Ao mesmo tempo, as convicções e desconfianças tornaram-se aliados higienizadamente seguros, intangíveis e anódinos. A base de memória de um tempo perdido que não se busca mais (por enquanto) começou a ser construída em bases antropológicas válidas, de acordo com uma consciência diferenciada [empática?] e, portanto, estipulada segundo a assunção da convivencialidade pessoal+social virtual; metamorfoseou-se a conceção vivencial da duração, subvertendo a definição de tempo linear, implícito às determinações convencionais de outras “iconografias” – como se de repente se tornasse possível o modelo da “fita de Moebius”: uma fita com apenas um lado onde a espessura se dilui, onde as sobreposições são explanações geométricas sobreponíveis, intersecionadas at least; onde as noções quer de simultaneidade, quer de sobreposição foram lembradas para serem perdidas e recentradas – quer no tempo, quer no espaço como fenómenos...

Verifica-se que um tal panorama reverte a favor de um potencial crítico e libertador do próprio indivíduo, inserido (não diluído espera-se) na sociedade atual. Assume-se uma, assim denominada, “cultura digital” – e não exclusivamente uma arte digital – com a ambiguidade (e equivocidade) de consequências que a constituem, precisamente. Acreditando que nos humanize e reequilibre a todos, wishing for the best...

Virtu-real

MARGARIDA SARDINHA

A nova era do Virtu-real expande-se por todo mundo nas plataformas digitais. O real torna-se num acessório do virtual – os paradigmas invertem-se tal como quando se deu primado à ideia sobre o produto físico ou ao processo criativo sobre o artefacto final. A arte pela arte regressa, em formato de fase de projeto ou documentação, e a realidade da fase de produção num acessório de incerteza. A constante partilha do processo criativo cria infinitas timelines nos perfis de cada criador e uma avaliação permanente de crítica às barreiras impostas pelo real. O Virtu-real revoluciona a arte mais uma vez desconstruindo a realidade do artista que ao expor o seu processo digital torna as suas fragilidades em potencialidade e onde tudo nos é permitido. A arte pela arte complementa a reviravolta do Virtu-real pois a partilha do processo criativo torna-se uma necessidade do artista, que destrói hermetismos artísticos formados pelo real, com hipertexto e hipermedia.

De IRL para URL, e vice-versa...

NUNO SACRAMENTO

A migração forçada do físico (IRL) para o digital (URL), levada a cabo pela maioria dos museus e galerias na Primavera 2020, será na melhor das hipóteses naïf, e na pior, desastrosa.

A exposição digital de artes visuais não é a panaceia para os problemas das exposições físicas.

Dá-se de facto uma redução nos custos expositivos, de transporte, de seguro, de viagem do artista (o planeta agradece!) e até de vernissage (os convivas não agradecem!). Ao mesmo tempo, a audiência pode crescer exponencialmente, independentemente da geografia, podendo também facilitar o acesso ao habitantes locais com mobilidade reduzida.

‘Hoje toda gente tem um smartphone’ dirão os tecno-deterministas. Não é verdade! Há muita gente info-excluída, sem acesso a computadores ou a smartphones. E a grande maioria dos que os possuem não terão o interesse ou privilégio de passar horas a desenvolver a literacia pressuposta para um engajamento crítico com a arte contemporânea, seja ela física ou digital.

A Internet está cheia de conteúdos, muitos deles lixo. A exposição digital compete com eles, diluindo-se no mar de informação, comércio e lazer. Os/as felizardos/as que possuem smartphones e literacia visual, e que conseguem encontrar a exposição, terão o privilégio de a fruir no seu ecrã, com colunas de alta fidelidade. Mas a verdade é que estão sozinhos, atomizados, encafuados...

Embora o confinamento do corpo (C19) seja uma novidade, o confinamento social ao nível do sujeito-intelecto já vem acontecendo desde os anos 80. “There is no such thing as Society. There are individual men and women, and there are families” – disse Thatcher numa entrevista em 1987.

Num recente texto para a revista ARTFORUM, Paul Precido escreve: “The subjects of the neoliberal technical-patriarchal societies that Covid-19 is in the midst of creating do not have skin; they are untouchable; they do not have hands. They do not exchange physical goods, nor do they pay with money. They are digital consumers equipped with credit cards. They do not have lips or tongues. They do not speak directly; they leave a voice mail. They do not gather together and they do not collectivize. They are radically un-dividual. They do not have faces; they have masks. In order to exist, their organic bodies are hidden behind an indefinite series of semio-technical mediations, an array of cybernetic prostheses that work like digital masks: email addresses, Facebook, Instagram, Zoom, and Skype accounts. They are not physical agents but rather tele-producers; they are codes, pixels, bank accounts, doors without names, addresses to which Amazon can send its orders.”

Confinados ao ecrã, dedicados ao tele-trabalho, vamo-nos descolectivizando. Nas exposições digitais que visitamos, somos privados da escala da peça no espaço, a espessura (que palavra bonita!), as marcas do pincel, o olhar do performer, as sombras do objecto, os cheiros, os reflexos, o pó, mas mais importante que tudo o ritual, ou seja a socialização no encontro com a arte, e com os outros corpos, aqueles ilustres desconhecidos com quem partilhamos o espaço.

Posto isto, porque é que quero fazer esta curadoria de uma exposição digital? Porque acredito no movimento SOS ARTE PT, e quero contribuir para a sua divulgação, e para um maior apoio aos artistas em Portugal. Porque passo a trabalhar num grupo de curadores que não conhecia, gente interessante com quem vou partilhar ideias. Porque gosto de conhecer o trabalho de novos artistas, seja ao vivo ou no ecrã. E talvez porque nestes tempos de confinamento tenha tido tempo, pela primeira vez, de ir à procura daquele arquétipo da arte digital que dá pelo nome de JPEG...

The Digit ditches the Darkness

REGINA FRANK

There are times in our lives when we truly realise that Earth without art would be just ‘eh’. When artists give their HeArt, art can heal, help the process, and reflect events and bring light and consciousness to our lives. 

The digit in Latin is originally the fingerbreadth, the unit of measurement based upon the finger. This human way of approximately measuring and putting things into proportion is one of art’s strengths. It is a way of processing the moment and giving a perspective of what is. Digit later became a word for numbers below ten, countable with your fingers. So in digit, there is something very tangible, analog, and physical. “Digital” used to describe something that could be performed with fingers. Ironically now digital is the contrary of analog, it is the transformation of the tangible, visible into ones and zeros, the conversion into the sequence of digits, into zeroes or ones making a bit — a unit of information, the absence and the presence of a thread in the tapestry of life.

To ditch something is to leave it behind without warning. Because of COVID19, many projects were ditched and the artists felt left behind. Artists who have this capacity of ditching all the rules, abandoning the norm, and breaking through limits, can find the light by expressing the darkness. Without darkness, we would not experience the light and even the smallest light will erase darkness. Or as Anne Frank puts it in her confinement diary “look at how one single candle can both defy and define the darkness”.

SEM LIMITES is an opportunity to present the artist’s gift and to bring light into the present. Artists in a way ditch the darkness with a snap of a finger, digitally, and then digitise the result of the dialogue between paper and digit. It is time to focus on this digital presence and bring the work home and to people’s homes as so many of us rethink, restart, and re-initialise.



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